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31.1.14

Resenha - livro "Cardume" (Carlos Moreira)

Carlos Moreira, Poeta (foto: arquivo de Akira Yamasaki: http://blogdoakirayamasaki.blogspot.com.br/2013/09/o-cardume-de-carlos-moreira-na-casa-de.html)



Cardume, de Carlos Moreira

minha função na colmeia
é tecer estes losangos
que chamam texto fábula poesia” (p. 18)
Poeta inventivo, com grande capacidade de tirar das palavras mais do que o senso comum dos dicionários, Carlos Moreira apresenta, em Cardume (Valer Editora, 2013, 1ª edição), mais do que maestria no domínio da língua ou inspiração exarcebada. Isso é o mínimo que se procura no trabalho de quem se diz poeta.
Carlos, todavia, vai mais longe, muito mais longe. Com uma escrita que se relaciona com mundos exteriores e interiores num diálogo sempre teso entre o verbo e a sublimação dos sentidos, o autor surpreende pela profunda elasticidade dessa tensão.
era muito ódio
só podia ser amor” (p.157)
Cardume é, essencialmente, um livro cujo libelo preza pela autenticidade e potencialidade da palavra. Em todo o volume, de 196 páginas, o que o permeia e nos premia são o entendimento de versos de hedonismo singelo como
essa verdade
a vida me deu

seu pecado original
é a cópia do meu” (p. 125)
ou então elaboradas costuras sintáticas de tirar o fôlego na leitura:
tirar do nada
(do mais nada)
o nervo exposto
da palavra

eis a tarefa
(ingrata:
de pedra)
do poeta” (p. 140)
Essa tarefa, árdua, mas de belos resultados, faz com que percebamos o ourives que conhece o seu ofício. Mais ainda, sabe da arte que está por trás, e dentro, e acima, de seu labor primordial. Assim, o lago de onde este Cardume se oriunda, quase que nos tonteia com essa epifania e catarse:
da pele para dentro estou deserto
da amargura vingança e outros cânceres
deserto da ilusão de que meu erro
foi não ser mais aquele eu de antes” (p. 124)
Com editoração e orelha de Tenório Telles, capa “orgânica” de Heitor Costa, apresentação sagaz de Marcos Aurélio Marques, epígrafes do filósofo francês Michel Onfray e da ganhadora do Nobel de Literatura de 1996, a poeta polonesa Wislawa Szymborska, Cardume resume bem a empreitada a que estamos impostos neste princípio de século 21. Com a socialização da tecnologia, o acesso irrestrito aos novos artefatos e a prática da big-brodagem através das redes sociais, todo joio torna-se trigo. Mas tem trigo que é jóia.
Nossa responsabilidade acaba sendo sempre essa tarefa de Sísifo, descobrir cardumes de peixes vitaminados. Eu estou indicando este.

* Cardume, de Carlos Moreira. Valer Editora (www.editoravaler.com.br), 1ª edição, 2013

o desejo quer
eu obedeço

que sou eu
para dizer não
ao desejo?

sou só
eu mesmo
e aquilo que vejo

pouco
parco
e humano

menos
do que percebo

o desejo quer
eu mando” (p. 21)

x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x

veloz
a morte
sobre o lince

nada
mais profundo
que a superfície” (p. 54)

Foto: reprodução

22.1.14

A arte do grafite - X




Alguns dos grafites expostos na Livraria Suburbano Convicto - Rua 13 de Maio, 70, 2º andar, Bixiga, Sampalândia, SP
(11) 2569-9151
suburbanoconvicto@hotmail.com

10.1.14

Depoimento a Tânia Gabrielli-Pohlmann (Editora Protexto)

> ESCOBAR FRANELAS BRINCANDO COM A LUCIDEZ


Tânia Gabrielli-Pohlmann
      ENTREVISTAS

"ESCOBAR FRANELAS BRINCANDO COM A LUCIDEZ"

Escobar Franelas não perdoa os detalhes que escapam dos olhos cotidianos de Sampa. Sua linguagem é pictórica, ácida, enxuta; estilo que se foi enraizando desde a adolescência e que agora vem à tona sem piedades da mesmice.

Este videomaker paulistano de 34 anos já peregrinou por algumas coletâneas e antologias antes de publicar, em 1998, seu primeiro livro – hardrockcoreNroll (Scortecci Editora). A obra foi dividida em três partes – “alquimia”, “catraia” e “haicaos” (sic), totalizando 77 poemas que escandalizam a expectativa de formas já conhecidas e reverenciadas, surpreendendo caminhos semânticos e sonoros, mesclando sentimentos mais que atrevidos e coerentes.


TGP: Escobar, "hardrockcoreNroll" foi seu début. E você diz ter sido uma tentativa de brincar com a lucidez. Como é que você classifica esta tentativa?

EF: Eu tinha em mente tentar elucidar três situações que se me apresentavam. Uma, a tentativa de trazer a linguagem da rua para o universo poético, o culto da oralidade, essas coisas. Mas sem estereótipos. Usei isso até numa epígrafe, em que fiz uma citação do João Antônio, que considero ótimo contista, numa entrevista com o Darcy Ribeiro. A segunda manifestação crônica em meu trabalho foi a influência clara da música no meu processo de composição (e também das artes plásticas). Por último, outro dado que influenciou muito na concepção de "hardrockcoreNroll" foi a tentativa de nunca repetir fórmulas convencionadas das escolas literárias, principalmente.

FTGP: Você consegue trazer não apenas a linguagem musical ao seu trabalho; a imagem fragmentada e recolhida pela sensibilidade visual de um videomaker é clara nesta sua obra. Fale um pouco a respeito...

EF: O Videomaker é um cineasta. Ele trabalha a idéia, a imagem, a linearidade, o sentido, enfim... Seu escopo, contudo, é fundamentado no chão, no mundo real. Acho natural que "hardrockcoreNroll" tenha seguido essa trilha, pois essa foi a minha formação artística, cultural e histórica.

TGP: Você já está com mais um livro pronto, o “pois é a”, também de poesia. Fale a respeito do curso lingüístico deste livro.

EF: “pois é a”, na verdade, continua a minha busca pela ruptura, por novos signos (semânticos ou não), que tento criar, moldar e associar dentro de minha verve poética.

TGP: Mas “pois é a” vai esperar um pouco. Antes parece-me que haverá uma incursão pelo universo ficcional. Quando é que “Jardim das Delícias” vai para o prelo?

EF: O “Jardim das Delícias” é minha primeira incursão pelo mundo da prosa. E a ficção tem sido um desafio. Há muitas idas e vindas no processo e eu não sei precisar quando terá uma forma definitiva. Se é que vai ter... O mais certo é acreditar que realmente “pois é a” tem mais chances de vir à luz, pelo menos neste momento.

TGP: Mas “Jardim das Delícias” é o quê? Um romance, um mosaico?

EF: O mais certo é dizer que são notas esparsas – contos e crônicas aleatórios – que se pretendem dar uma idéia de romance no final. Quer dizer, serão em torno de 22 capítulos (até agora são 19), que poderão ser lidos e entendidos em separado. Ou então, se lidos dentro de um contexto, poderão ser entendidos como uma obra única, com início, meio e fim.

TGP: Uma obra de impacto, parece... Você fala deste projeto com uma convicção contagiante...

EF: Estou lutando pra fazer um bom trabalho, que não traia nem a mim nem aos meus leitores.

TGP: Para você, qual o papel social do artista, em especial do escritor, quando se pensa no índice de analfabetismo de nosso país?

EF: O escritor é sempre um transgressor. O artista, de um modo geral. Eu me cobro no sentido de duvidar sempre. Nesse aspecto, o cidadão contrapõe-se ao dito artista. Os números e as estatísticas são formas redondas e absolutas que eu, como cidadão, não ouso discordar. Agora, o artista... este adjetiva mais, filosofa mais, pormenoriza muito mais...




Poemas de Escobar Franelas, extraídos de hardrockcoreNroll:

introdução
o poema
:
relax
e
sinta
xe

 

amor encanto êxtase

vibra o verbo no anverso
desta página

ó infinita finitude de sempre

silêncio


dos símios

computador
o mico chega à sala de estar



as asas
 
Era mágico
Pequeno espetáculo de
Luzes túrgidas
Indo de Florença a Dresden

O coração não mente
Ainda atado
Às divagações temporãs
Da tensão lapidada
Nesse diário desnecessário


Contatos com Escobar Franelas: efranelas@yahoo.com.br

_______________________________________________

Tânia Gabrielli-Pohlmann é escritora, tradutora paulistana, radicada na Alemanha, onde produz e apresenta dois programas de rádio, dedicados à história, à cultura e à música brasileira: “Brasil com S” e “Revista Viva” (com Clemens Pohlmann)
Contatos: a-casa-dos-taurinos@osnanet.de

5.1.14

Entrevista feita por Selmo Vasconcellos



ESCOBAR FRANELAS – ENTREVISTA 12



ESCOBAR FRANELAS


NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS

ESCOBAR FRANELAS, poeta e videomaker paulistano, 41 anos, casado, 3 filhos e um neto. Escreve desde a adolescência, e publicou seus primeiros escritos ainda na juventude, em jornalzinhos da escola. Estreou na “literatura profissional” em 1989 com dois poemas na Antologia Poética de Pinheiros, em S. Paulo (Scortecci Ed.).
Desde então foram várias participações em concursos literários, antologias e coletâneas.
Em 1998 lançou hardrockcorenroll, SP: Scortecci Ed., livro de poesias com 98 páginas.
A partir de 2006 principiou a escrever contos, poesias, crônicas, resenhas, entrevistas e outros escritos na sua homepage www.recantodasletras.com.br/autores/escobarfranelas e também no seu diário virtual http://escobarfranelas.blogspot.com.
É graduando em História, e membro da União Brasileira dos Escritores.

ENTREVISTA

À esquerda, Beto Rios (músico), Akira Yamasaki (poeta), EF (ao centro). À direita, Raberuan (músico) e Eliel Lima (músico)

SELMO VASCONCELLOS – Quais as suas outras atividades, além de escrever ?
ESCOBAR FRANELAS – Trabalho com produções de vídeo e cinema. Para isso, usam um termo que não acho o mais conveniente, mas, enfim, explica bem o meio em que trabalho: videomaker. A intenção é, a partir de um determinado momento, produzir mais e ser menos ´”operário”, criando alguns trabalhos que tenho em mente, lincando esse mundo audiovisual com minha outra paixão: a literatura. Inclusive estou produzindo solitariamente (já há uns 3 anos) um documentário sobre o poeta potiguar (ainda que nascido em Goiás), Dailor Varela, ícone do Poema-Processo, movimento de vanguarda na poesia e artes plásticas brasileiras nos anos 60.

SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário ?
ESCOBAR FRANELAS – Desde a infância que pratico os meus rabiscos. Escrever e ler sempre foram paixões fortes em minha vida. Na adolescência, primeiro quis ser jogador de futebol, como qualquer garoto brasileiro. Depois quis ser músico de rock. Como nunca tive esses talentos, “me achei” trabalhando no mundo do audiovisual. Ainda assim, sempre soube que era poeta, independente de onde viesse meu ganha-pão ou da qualidade literária desse “poetar”. No entanto, conservei desde cedo essa peculiaridade, a de “ser poeta”, “viver como poeta” e “falar como poeta”, mesmo antes dos livros publicados. Prestava atenção aos gestos, entrevistas, modos de andar e se expressar de vários escritores preferidos: Vinícius, Drummond, Bandeira (principalmente), Salinger, Hemingway, Camus, Clarice, Wolf.
Hoje ainda não perdi este perfil, e me reconheço poeta, mesmo quando não estou escrevendo. Vivo a poesia naturalmente, em minha vida, através de meus filhos, minhas relações com familiares e amigos, meu trabalho, meu exercício de cidadania…

SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País ?
ESCOBAR FRANELAS – Tenho um livro de poesia, lançado em 1998 (hardrockcorenroll, SP: Scortecci Ed.), e umas dez participações em coletâneas e antologias.
Atualmente, posso afirmar que tenho dois livros de contos, mais um romance e três de poesia, todos prontos, aguardando alguma editora.

SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia ?
ESCOBAR FRANELAS – Qualquer situação que me provoque leva ao imaginário poético. A partir daí, se esse choque me leva ao êxtase, naturalmente me conduz à poesia física em si.
Ler, ver quadros, esculturas, fotos, me levam ao clímax poético. Ver gente, animais, plantas, flores, obras arquitetônicas, me dão comichões poéticos. O barulho do trânsito às vezes me transplanta para um mundo diferente. Jazz, blues, rock´n´roll, também me levitam. Notícia de jornal, a voz da mulher amada, o olhar de uma criança… Enfim, tudo e todos servem à mesa de minha imantação poética.

SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira?
ESCOBAR FRANELAS – Alguns são permanentes em minha bibliofilia, como Bandeira, Clarice, Machado, Guimarães, Mia Couto, Camus, Dostoievski e Borges. Mas não posso deixar de citar alguns nomes que são certeiros e geralmente ficam fora das listas iconográfica, mas são muito relevantes para a literatura, como o poeta Aricy Curvello (Brasil), o ficcionista Uilcon Pereira (Brasil), Fernando Namora (Portugal), Pepetela (Angola), Casares (Argentina) e José Martí (Cuba).
Outra coisa é que ando dedicando um pouco mais de meu tempo para os clássicos (Proust, Dante, Joyce, Victor Hugo, José de Alencar), e também para o ensaísmo.

SELMO VASCONCELLOS – Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas ?
ESCOBAR FRANELAS – Quando comecei a rascunhar meus primeiros escritos “oficiais”, por volta dos 14 anos, eram sentimentalismos pífios colocados na pele do papel, dedicados geralmente a alguma menina do qual estava enamorado, ou ao meu clube preferido. Hoje reconheço que eram risíveis, mas é preciso passar por essa “escola”. Então, falo sempre que, como exercício, devemos escrever de tudo e também ler de tudo. Só assim vamos depurando o nosso estilo e nossos gostos.
Aliás, toquei numa questão nevrálgica. Conheço alguns gatunos que se dão ao luxo de escrever poesia sem ler poesia, o que me parece desproposital. Se não houver uma troca dialógica, como alguém pode se pretender “poeta”? Se não consegue sequer estabelecer um contato com outros que escrevem, como ter certeza de que aquilo que você escreve é significativo ou tem algum alcance?

Poemas inéditos de Escobar Franelas


alguma arte pra contender o contemporâneo
enólogo cego
abruptamente
rompe abismos
inaugura casa
de degustação
de marchands
infanticídio

aquele que não tiver fumado
- ainda -
aspira à primeira pedra?
peregrinação
O mesmo drama.
A mesma brahma.
A mesma bruma.
Aliás, a mesma embromação.
Tudo bem, vamos lá. Jacó e Isaque, co-irmãos, enfim desdebruçaram-se diante do tanque de areia. Havia muito a fazer.
Depois de uma longa jornada, com fome, cofiando suas barbas sujas,
barbas feias e ralas, chegaram ao destino. Tomaram conta da casa almejada.
Pintaram o sete. Aboletaram-se na cumeeira. Voavam em felicidades.
De longe, quem os vê, imagina passarinhos.
Outro tanto de gente, a meio caminho, pensa enxergar anjos suspensos.
Algumas pessoas plasmam, choram e oram.
Tem criança que acredita em mágico.
Mulheres ciumeiam.
Tarólogos lêem ao futuro.
Um grupo, o mais cético, cobra ingressos do espetáculo. Há muito a fazer.
Organizar filas, por exemplo.
aquário
no quadrado do quarto
inteiro
nada contra
as correntezas
nirvana
a magia da liberdade
por estar lá
nalgum lugar
e nenhuma asa, nenhum passo
saber alcançar
  
* entrevista feita por Selmo Vasconcellos e postada originalmente em 10 de junho de 2010 no blogue http://www.selmovasconcellos.com.br/colunas/entrevistas/escobar-franelas-entrevista/