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30.11.15

Depoimento para Fernando Rocha (Revista literária Letras et cetera)

 

  ENTREVISTA COM ESCOBAR FRANELAS




foto: Luka Magalhães


Escobar Franelas é uma das figuras mais presentes e importantes dentro da produção cultural realizada na zona leste de São Paulo, ele faz parte da coordenação da Casa Amarela - Espaço Cultural, membro do coletivo de audiovisual Lentes Periféricas, fotógrafo amador e escritor. Publicou o livro de poemas hardrockenroll (Scortecci, 1998), o romance Antes de Evanescer (Scortecci, 2011) e o livro de história Itaquera - Uma breve introdução (Kazuá, 2014).
Escobar, de certa maneira você personifica a afirmação de que o homem é um ser coletivo participando de diversos projetos. Quando você se defronta com a solidão artisticamente e como lida com ela?
EF: Eu diria que naturalmente sou solitário. E foi essa solidão que me levou à procura de canais para a expressão. Parodiando Sartre, diria que o homem é um ser condenado a se expressar. E a arte - pensada como interferência do ser no meio social - pode ser entendida como meio e fim para que essa expressão aconteça.
Se os nativos não eram escravizados pelos padres, e se estes mesmos padres os protegiam na luta contra os colonos que pretendiam escravizá-los a todo custo, tampouco havia liberdades de escolha (Itaquera - Uma breve introdução, pg. 19). Se acrescentarmos os pastores protestantes dentro deste imbróglio e a expansão evangélica dentro da zona leste do final do século XX pra cá, podemos dizer que nos genes indígenas que todos carregamos, a população da zona leste herdou esta sinuca de bico?
EF: Putz, você tem razão, total razão! Isso tudo parece até um encadeamento macabro e confesso que vou mais além: esse problema não é só da zona leste, nem só das periferias, tampouco apenas do Brasil. Veja as questões recentes das agressões ao Suplicy na Livraria Cultura; a tragédia em Marina, MG; este ato tosco contra as vida humans em Paris. E as exclusões xenofóbicas que estão batendo transformando o sul da Europa num cemitério de crescimento exponencial!
Tudo isso é retrocesso, volta à animalidade que supúnhamos ter sido resolvida, todavia, a evolução humana não acompanha o avanço tecnológico, e volta e meia, tudo recrudesce e volta duzentos anos para trás.
Antes de ter contato com o seu livro de história, uma senhora havia me dito que a Avenida Marechal Tito se chamava Rodovia Rio-São Paulo, demonstrando a força da cultura oral. No lançamento do livro você disse que aquela era a primeira parte de um projeto que tinha como intuito construir uma trilogia, a qual seria concluída com a coleta de depoimentos dos moradores mais antigos da região de Itaquera. Como anda este projeto?
EF: A citação da Estrada Velha São Paulo-Rio é um excelente exemplo de como a história oral também é um documento sério para elucidarmos o passado, trazendo os saberes não oficiais para a troca e a citação. Quanto à trilogia, diria que está a contento, talvez um pouco atrasada, mas dentro de uma certa previsibilidade. O projeto que tenho em mente prevê uma nova obra mais ou menos em 2017, abarcando as mudanças radicais observadas em Itaquera entre os anos 2007 a 2016, e outro, de memória oral, que virá depois, talvez daqui uns cinco, seis anos.
Em algumas das crônicas (Como escrever poesia e Escrever, verbo intransitivo) que recortam Itaquera - Uma breve introdução, você menciona o problema do escritor diante do seu processo criativo. Tal reflexão sinaliza um não para a zona de conforto dentro do movimento criativo do pensar?
EF: Tenho um prazer enorme em escrever. Escrever qualquer coisa, seja um texto jornalístico, poema, crônica, conto, ensaio etc, me leva a esse êxtase. A “artesania”, o escalavrar a palavra, o ritual da escritura, a ordenação do sentido no texto, tudo isso me dá uma sensação de pânico e inquietude que só se resolve quando o texto fica pronto. E a completude, nessas condições, passa a ser um oásis, talvez o que para mim represente a ideia do paraíso edênico.
Antes De Evanescer é uma narrativa ficcional que se desdobra partindo de um fato real: Os ataques do PCC em 2006. Como o historiador colabora com o ficcionista e vice-versa?
EF: Quando escrevi o Antes de Evanescer, no auge dos problemas em 2006, na verdade nem sonhava em cursar História, o que vim fazer só três anos depois. Mas se pensarmos as coisas em termos lógicos, me parece óbvio que a observação aguda do tempo, matéria essencial para quem se propõe a historicizar as coisas, já estavam lá, comigo.
Seja como for, o enredo, apesar da tragicidade real, foi um desvario meu, e que algumas conjunções de situações e vivências me levaram a um cruzamento de improbabilidades. E aí, não digam aos que poetas que uma coisa não é possível! Pois o desafio amplifica as possibilidades a serem exploradas. Foi o que fiz: naqueles dias conturbados, me peguei pensando nos acasos que podem mudar consideravelmente o curso de uma história que parecia bem previsível. E escrevi sobre isso.
No fundo no fundo, confesso que tudo o que quis foi contar uma história de maneira o mais crível possível. Será que consegui?
Conseguiu, Escobar!
Com o coletivo Lentes Periféricas, você lançou o documentário Doc.Cine Campinho, o qual tem sido exibido em alguns eventos. O próximo projeto é produzir um documentário sobre o M.P.A. (Movimento popular de arte). A quantas anda a produção deste trabalho?
EF: Estamos finalizando a captação de entrevistas, agora vamos para a pesquisa dos acervos e pós-produção (edição de vídeo, de áudio, finalização, lançamento e distribuição). Para retomar este filme - que iniciei por volta de 2009, 2010 e depois parei, por falta de dinheiro e parceiros - a presença do Lentes foi fundamental. Mas para esta etapa final, a pesquisa iconográfica vai ser um tanto demorada e meticulosa. Para isso criamos uma campanha no Catarse (https://www.catarse.me/mpa) para podermos arrecadar uma verba e viabilizarmos o projeto do jeito que almejamos e que acreditamos que ele mereça ser finalizado.
Você escreveu o prefácio do livro de poemas Amador, do Rafael Carnevalli, lançado neste ano. Qual a importância de movimentos como o M.A.P na ocupação e ressignificação dos lugares públicos para a divulgação da poesia?
EF: O Movimento Aliança da Praça é um combustível que mantém vivo a utopia de nossos mentores/genitores/educadores. O MAP (do qual o “Amador” Rafael Carnevalli é um líder inconteste, emblemático e carismático), apropriou-se da chama intensa da cultura local, já vivido em outros tempos, e a manteve acesa, acrescentando novos elementos, oxigenando as relações coletivas e individuais na significativa Praça do Forró e seus entornos.
Os saraus que ocupam a cidade de certa maneira reaproximam a poesia da cultura oral? Funcionam eles como uma oposição a interpretações estreitas dos conceitos do concretismo?
EF: Os saraus são significativos pois: a) recuperam o protagonismo do ser enquanto artista, em seu meio e no seu tempo; b) retiram o fundamento financista que tem sido o mote-mór da expressão dita como artística na contemporaneidade ocidental; c) mantém viva a chama do encontro, do abraço e do aplauso; d) estabelecem um novo paradigma ao colocar no mesmo palco e diante da mesma plateia o “profissional” e o “amador”, o ser-artista e o estar-artista.
Como se deu o seu contato inicial com o poeta e parceiro na Casa Amarela Akira Yamasaki?
EF: Desde as minhas primeiras andanças em São Miguel, a figura mitológica do Akira já pairava sob o céu acinzentado pela Nitroquímica. Logo a seguir, tive a oportunidade de conhecer sua esposa, a Sueli Kimura, que dava oficinas de dança. Ela, Sacha Arcanjo e Raberuan foram as pontes que me ligaram umbilicalmente a Akira.
Hoje temos essa parceria, na cogestão da Casa Amarela. Conviver com ele é ter aulas diárias de explosões poéticas sem rebuscamentos desnecessários, é poder apreender frações da beleza da catarse e beber em haustos aulas de práticas cidadãs.
É comum ouvir dos frequentadores da Casa Amarela, que lá há uma aura mágica que se instala quando os eventos são iniciados, você também sente isso? Como explicá-la?
EF: Creio que tudo isso é mais sensorial, intuitivo. Não dá, portanto, para explicar ou justificar em palavras. O “ficar nu” diante das possibilidades propiciadas pelo êxtase artístico talvez seja uma resposta viável. Mas desconfio que isso tem a ver também com outras situações, esse lance de basear-se naturalmetne nos princípios da cultura da paz, do sorriso extravagante, da não politização e não capitalização do ambiente, que faz com o espaço fique mais arejado, sei lá! Talvez seja tudo isso. Ou simplesmente porque a Poesia pra mim (pra nós) é também um ímpeto sagrado, na qual comungamos com o mesmo prazer. Ou, mais modestametne falando, talvez seja porque simplesmente o lugar que, por diversos caminhos e circusntâncias, junta as pessoas certas no momento certo. Ou talvez nem seja isso e a resposta seja um mistério. E os mistérios ajudam a alimentar o mito, o suspense, o exercício da futurologia.
Quem é Escobar Franelas?
EF: Um personagem em busca de um autor.


(postagem original em http://nanquin.blogspot.com.br/2015/11/entrevista-com-escobar-franelas.html)